segunda-feira, 11 de junho de 2012

Cotidiano reciclado


Escrever é o jeito que encontrei de poder contar a experiência que estou passando neste momento da minha vida. Aprendi a me manifestar sempre de forma artística, a manifestar o que eu sinto, o que eu vivo, o que eu luto.

 A luz do sol me acorda, a chuva deu um descanso para a cidade. Já estamos no dia domingo 10 de junho do ano 2012. Domingo no Rio é uma delícia, a cidade se enche de feiras e as pessoas andam pela rua mais relaxadas. Não é o dia de emprego para muitas pessoas, isso se reflete em um andar das coisas um pouco mais com paciência. Mas não é igual para todo o mundo.

Saio com a Pati às três da tarde a reciclar na feira da Glória. A reciclagem é de frutas e legumes que sobraram da área comercial. A feira tem um ar leve e uma rua rodeada de barraquinhas com teto branco de linhas vermelhas, parecem de decoração. 

No caminho nos encontramos com uma mulher e um homem que moram na rua, eles nos reconhecem, nos cumprimentam e avisam que o rango vai passar 17h30 pelo Largo da Carioca.

Pegamos um caixão de madeira e saimos à procura de frutas e legumes pelo chão. Os comerciantes da feira estão saindo do local e está chegando o caminhão da prefeitura para limpar, parece que o principal objetivo da prefeitura é limpar o que é sujo. Lembro que quando criança, no jardim da infância, eu tinha que limpar o que sujava, na minha casa era a mesma coisa. Mas agora já crescido não, a prefeitura faz esse trabalho por mim e por todos. Em troca de me tirar vários direitos eles fazem LIMPEZA.

Reciclar é uma das atividades mais saudáveis para tudo e para todos. Reciclar trata-se de não desperdiçar, de sustentabilizar a economia e os recursos naturais e vitais, no caso da comida. Na hora da reciclagem, me encontro com vários parceiros de ocupações e moradores de rua, nos separa um teto mas nos une um ideal. Neste dia nos une também a atividade de reciclar. O momento é cem por cento agradável, parecemos uma comunidade de jovens recicladores, diretamente enganando o sistema. Sinto que estamos crescendo e que estamos cada vez mais fortes. Já nos reconhecemos uns aos outros, já estamos mais atentos uns aos outros deste lado da calçada.

Eu e Pati vamos andando para a praça da Cinelândia depois da reciclagem, levamos as frutas e verduras para a tia Patricia poder fazer algo com elas. Chegando lá, nos encontramos com a tia e uma galera de moradores de rua sentados na frente do restaurante Amarelinho, esperando a sobra dos clientes, outro mecanismo de reciclagem urbano.

Descemos os caixões e começamos a comer as frutas junto com o Mateus (filho da tia Patricia) e logo em seguida o resto do pessoal chega junto para pegar alguma fruta também já que tem suficiente para compartilhar com todos.

Ficamos sentados com eles batendo papo, a tia está preocupada porque o tio Marcos sumiu com dois homens, um deles com referências não muito boas. Parece que o homem rouba e faz muitas malandragens sem se preocupar com as outras pessoas. Eles saíram cedo, já são 16h30 e ainda não voltaram. Todas as coisas da tia ocupam o espaço de um banco da praça, é uma verdadeira mudança. O Mateus não para de brincar entre a exposição de fotos que tem mais de um mês na praça. São grandes painéis onde o fotográfo mostra lugares vistos desde o céu. Uma mostra atrativa, que fala sobre a sustentabilidade desde uma visão do que chamaríamos “capitalismo verde”. 

Esperamos até as 17h, horário que vamos andando para o Largo da Carioca, onde vamos para receber nossa comida de uma ONG cristã. Vamos andando Pati, Mateus e eu. Chegamos lá e pegamos uma quentinha para cada um e mais uma para a tia Patricia. Depois nos pedem para ir até um outro carro onde trazem roupas para entregar. Mateus pega roupas para ele e Pati pega para a tia Patricia enquanto eu tenho em mãos as quentinhas. Começo a pensar no trabalho das ONGs. Antes de começar com Paz Na Pista, como alguns sabem,  tínhamos uma parceira com uma ONG da qual rompemos pela minha opinião frente ao seu trabalho, o qual eu não concordo. Já tenho certa desconfiança desse tipo de organizações, primeiro porque é visto como o trabalho de quem tem para quem não tem. Desde a solidariedade para curar culpas. 

Acho estranho todo o mundo das instituções, nunca me senti confortável nem na escola, nem na faculdade e acho que em quase nenhuma institução. Não gosto de me sentir institucionalizado, realmente sinto uma desconfiança ante a causa de querer ajudar desde a postura da qual eu tenho e o outro não tem. Vejo a sociedade como um motor de energias, onde se uma parte não funciona então o resto tampouco. Os humanos nos respeitando como humanos, como iguais. As vulnerabilidades que o sistema nos provocam são muitas, mas somos todos nós que participamos delas.

Voltamos andando com nossas quentinhas e uma bolsa grande de roupa para o Mateus e a tia Patricia. Na hora de chegar na praça, os moradores de rua que ficam na frente do restaurante começaram a pedir as coisas para a gente achando que nós eramos quem entregavámos. Explicamos que estavam entregando perto dali e que só trouxemos a quantidade para nós quatro, mas que lá eles podiam pegar mais. Alguns ficaram chateados, porém não comparto a idéia de levar na boca o rango, sabendo que perto existe a possibilidade de ter um. É também um jeito de demonstrar que a gente não atua dessa maneira, que o trabalho é em conjunto um com o outro e que só sem victimizar e sem se victimizar é que poderemos nos defender do nosso verdadeiro inimigo. As coisas têm uma outra análise quando temos que nos virar estando Na Pista.

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