Escrever é
o jeito que encontrei de poder contar a experiência que estou passando neste
momento da minha vida. Aprendi a me manifestar sempre de forma artística, a
manifestar o que eu sinto, o que eu vivo, o que eu luto.
A luz do sol me acorda, a chuva deu um descanso
para a cidade. Já estamos no dia domingo 10 de junho do ano 2012. Domingo no
Rio é uma delícia, a cidade se enche de feiras e as pessoas andam pela rua mais
relaxadas. Não é o dia de emprego para muitas pessoas, isso se reflete em um andar
das coisas um pouco mais com paciência. Mas não é igual para todo o mundo.
Saio com a
Pati às três da tarde a reciclar na feira da Glória. A reciclagem é de frutas e
legumes que sobraram da área comercial. A feira tem um ar leve e uma rua
rodeada de barraquinhas com teto branco de linhas vermelhas, parecem de
decoração.
No caminho
nos encontramos com uma mulher e um homem que moram na rua, eles nos
reconhecem, nos cumprimentam e avisam que o rango vai passar 17h30 pelo Largo
da Carioca.
Pegamos um
caixão de madeira e saimos à procura de frutas e legumes pelo chão. Os
comerciantes da feira estão saindo do local e está chegando o caminhão da
prefeitura para limpar, parece que o principal objetivo da prefeitura é limpar
o que é sujo. Lembro que quando criança, no jardim da infância, eu tinha que
limpar o que sujava, na minha casa era a mesma coisa. Mas agora já crescido não,
a prefeitura faz esse trabalho por mim e por todos. Em troca de me tirar vários
direitos eles fazem LIMPEZA.
Reciclar
é uma das atividades mais saudáveis para tudo e para todos. Reciclar trata-se
de não desperdiçar, de sustentabilizar a economia e os recursos naturais e
vitais, no caso da comida. Na hora da reciclagem, me encontro com vários
parceiros de ocupações e moradores de rua, nos separa um teto mas nos une um
ideal. Neste dia nos une também a atividade de reciclar. O momento é cem por
cento agradável, parecemos uma comunidade de jovens recicladores, diretamente
enganando o sistema. Sinto que estamos crescendo e que estamos cada vez mais
fortes. Já nos reconhecemos uns aos outros, já estamos mais atentos uns aos
outros deste lado da calçada.
Eu e Pati
vamos andando para a praça da Cinelândia depois da reciclagem, levamos as
frutas e verduras para a tia Patricia poder fazer algo com elas. Chegando lá,
nos encontramos com a tia e uma galera de moradores de rua sentados na frente
do restaurante Amarelinho, esperando a sobra dos clientes, outro mecanismo de
reciclagem urbano.
Descemos os caixões e começamos a comer as frutas junto com o Mateus (filho da tia Patricia) e logo em seguida o resto do pessoal chega junto para pegar alguma fruta também já que tem suficiente para compartilhar com todos.
Ficamos
sentados com eles batendo papo, a tia está preocupada porque o tio Marcos sumiu
com dois homens, um deles com referências não muito boas. Parece que o homem
rouba e faz muitas malandragens sem se preocupar com as outras pessoas. Eles
saíram cedo, já são 16h30 e ainda não voltaram. Todas as coisas da tia ocupam o
espaço de um banco da praça, é uma verdadeira mudança. O Mateus não para de
brincar entre a exposição de fotos que tem mais de um mês na praça. São grandes
painéis onde o fotográfo mostra lugares vistos desde o céu. Uma mostra atrativa,
que fala sobre a sustentabilidade desde uma visão do que chamaríamos “capitalismo
verde”.
Esperamos até
as 17h, horário que vamos andando para o Largo da Carioca, onde vamos para
receber nossa comida de uma ONG cristã. Vamos andando Pati, Mateus e eu.
Chegamos lá e pegamos uma quentinha para cada um e mais uma para a tia
Patricia. Depois nos pedem para ir até um outro carro onde trazem roupas para
entregar. Mateus pega roupas para ele e Pati pega para a tia Patricia enquanto
eu tenho em mãos as quentinhas. Começo a pensar no trabalho das ONGs. Antes de
começar com Paz Na Pista, como alguns sabem, tínhamos uma parceira com uma ONG da qual
rompemos pela minha opinião frente ao seu trabalho, o qual eu não concordo. Já
tenho certa desconfiança desse tipo de organizações, primeiro porque é visto
como o trabalho de quem tem para quem não tem. Desde a solidariedade para curar
culpas.
Acho estranho todo o mundo das instituções, nunca me senti confortável
nem na escola, nem na faculdade e acho que em quase nenhuma institução. Não
gosto de me sentir institucionalizado, realmente sinto uma desconfiança ante a
causa de querer ajudar desde a postura da qual eu tenho e o outro não tem. Vejo
a sociedade como um motor de energias, onde se uma parte não funciona então o
resto tampouco. Os humanos nos respeitando como humanos, como iguais. As
vulnerabilidades que o sistema nos provocam são muitas, mas somos todos nós que
participamos delas.
Voltamos
andando com nossas quentinhas e uma bolsa grande de roupa para o Mateus e a tia
Patricia. Na hora de chegar na praça, os moradores de rua que ficam na frente
do restaurante começaram a pedir as coisas para a gente achando que nós eramos
quem entregavámos. Explicamos que estavam entregando perto dali e que só
trouxemos a quantidade para nós quatro, mas que lá eles podiam pegar mais.
Alguns ficaram chateados, porém não comparto a idéia de levar na boca o rango,
sabendo que perto existe a possibilidade de ter um. É também um jeito de demonstrar
que a gente não atua dessa maneira, que o trabalho é em conjunto um com o outro
e que só sem victimizar e sem se victimizar é que poderemos nos defender do nosso
verdadeiro inimigo. As coisas têm uma outra análise quando temos que nos virar
estando Na Pista.