quarta-feira, 13 de junho de 2012

Me desenho em uma ideia


Transforma, tudo se tranforma. 

Aqui está o nosso mundo, nosso espaço, povoado por nós mesmos. Estamos aqui, hoje, isso significa muito para quem acredita nos humanos como energia. O nosso corpo está ocupando permanentemente um espaço, compartilhado com outros seres e objetos. A rua é um pedaço de espaço onde todo o mundo pode povoar, e um espaço que pertence sobretudo a nossa natureza, que depende da defesa dos humanos. Ninguém pode se apropriar da rua como único dono, nem botar regras sobre ela como pertence. A rua é de todos, a rua precisa de todos, somos parte da rua e a rua é parte nossa.

Acordo em um pedaço de rua, mais precisamente em um pedaço de calçada. A calçada parece ser o espaço que nos deixam as empresas de automóveis para andar naturalmente como animais, como somos. É o dia 12 de junho, estou como em outras oportunidades, do lado de fora da igreja evangélica. Ao meu lado, a família da tia Patricia com o tio Marcos e Mateus. A luz do sol me acorda, quero sair desse lugar. Vou ocupar um espaço na calçada da rua detrás, aquela mesma que se esconde da iluminada praça da Cinelândia.

Ando por uma rua, está tudo nublado. Um cheiro forte me incomoda, uma multidão anda junta pela grama que rodeia esta rua. Vamos andando para o mesmo destino e quase com a mesma sintonia. Andamos, realmente não sei para onde. De repente, a imagem se quebra em mil pedaços por uma bomba. Estou no mais profundo sono, mas o som vem de fora. Me mexo rápido, assustado. Em um movimento que faço com o  pé, bato em alguém que está deitado. O grito da tia me devolve a realidade, “Vai cair!” . Me levanto do chão, quem recebeu meu chute havia sido o Fran. A tia Patricia, o Fran, o Mateus e eu saímos debaixo de uma enorme madeira que serve para que obreiros trabalhem na restauração do edificio. Eles haviam caído de uma altura de três andares, encima dessa grande madeira na qual estávamos. Ficamos apavorados, eles se levantam rindo e continuam com a obra. A tia pega suas coisas e vai em direção à igreja, onde continua a dormir. Eu e Fran vamos para uma praça a deitar.

Hoje e o dia 12 de junho. Estamos de costas para o monumento do Gandhi, na praça que leva seu nome, deitamos e dormimos mais um pouco. Até que chega Adrieli, uma colega que mora na pista ocasionalmente, sua mãe fica sempre na Cinelândia. Ela me acorda, está com o namorado de sua mãe. Senta ao meu lado, me fala que tem muita vontade de ir junto comigo um dia para a praia, acho a ideia incrível. Arma um beck e fumamos, são 11h e estou sem minhas coisas, elas ficaram na casa da Pati. Vou com o Fran até lá. Pego minha mochila e vamos almoçar, claro, no restaurante popular. O Fran fica no caminho, fala que está sem fome. Fazemos as duas filas correspondentes, comemos e saímos. 

Faço meu tempo para escrever o diário do dia. Cravo meus dedos no teclado do computador na casa da Debo (integrante do projeto), lá escrevo minhas linhas. Tomo o tempo de ler comentários e mensagens de leitores: “maneiro a experiência de vida na rua que voce se propôs, gostaria de saber se já experimentou bairros suburbanos como Ramos, Bonsucesso ou Irajá”, me manda o Rodrigo.

A ideia de rodear a cidade ainda esta de pé, mas é certo que por aqui tem muitas histórias ainda para contar. Tenho pensado em deixar fluir, converso isso com a Débora. Deixar fluir sem pressionar, sem criar situações para contar. Paz Na Pista é um projeto pensado para revelar, desde minha visão, uma realidade que está oculta, esse é o meu principal objetivo.

Corro para pegar os salgados, no caminho me encontro com o Chile, sentado fora do Centro Cultural Caixa Cultural comendo uma quentinha. Ele me oferece de sua comida, eu falou que estou indo para os salgados, pergunto se quer me acompanhar. Ele aceita e convida o companheiro, que está sentado ao seu lado. Andamos três quarterões e chegamos. No lugar, nos encontramos com Gil e uma colega. Nós cinco conversamos sobre os lugares e as diferenças culturais. Eu boto a questão que tenho contra as fronteiras. O papo está interessante até que é interrompido pela correria para pegar os salgados. Dou uma olhada e observo que tem muitas sacolas plásticas de cor branca, embalagem que se usa aqui para entregar os salgados. Parece que hoje vai ter pra todo mundo.

Pego minha sacola com quatro salgados e vou andando com o Gil e sua colega. Me contam de seus planos, uma intervenção urbana que diz respeito ao movimento Ocupa Rio. Eles estão pensando em sair esta noite a reciclar, acho a ideia divertida, genial para mostrar algo diferente dentro do evento que compromete a política de vários países do mundo. A Rio+20 está chegando, a cidade está entrando em convulsão pelo evento. As políticas que estão sendo aplicadas pelo estado nesses dias, demonstram uma responsabilidade que ele tem em ocultar, fingir, botar uma máscara enorme na cidade maravilhosa.
 
Chile, Gil, sua amiga e eu chegamos a praça dos professores atrás do café que será entregue por jovens religiosos de uma igreja batista. Eles diferenciam o rango hoje, levando às 20h um chocolate com pão, biscoito e guaraná. Eles convidam a que oremos para o seu Deus, o Deus que eles propõe, honram as palavras que eles acreditam, divulgam, mas não me convencem.

Me encontro na praça com o menino de Minas Gerais, aquele que me seduz com os olhos. Ele me conta que brigou com sua companheira, me pergunta onde vou dormir, falo que ainda não tenho certeza mas que acho que vai ser no mesmo lugar de ontem,  debaixo da igreja evangélica, em frente a Cinelândia. Ele marca comigo 22h na frente do restaurante Amarelinho.

Eu me atraso, tenho uma conversa com a Debo que me faz demorar. Na volta, ele já não está mais. Vou à procura de rango novo e de ver se encontro ele. Vou andando até o Castelo, na volta passo pela praça dos professores, onde o vejo, deitado no banco, durmindo. Tento acordá-lo, mas prefiro não incomodar e vou embora.

Hoje é dia dos namorados, e isso me faz pensar em muitas coisas. A tia me mostrou esta tarde umas roupas que comprou para seduzir o marido. Estava na ilusão de ir a um hotel comemorar com o tio Marcos.
Chego na porta da igreja evangélica, o Mateus deitado durmindo sobre o papelão onde mais tarde deitam a  tia e o tio. Também está o Gil, que me convida a dar um rolê na Lapa. Saímos andando e falando coisas sobre o projeto.

Me desenho em uma ideia, penso realmente qual vai ser a direção de Paz Na Pista e o que pode chegar a atingir. Vejo uma ideia forte, um projeto interessante. Vejo interesse em alguns que circulam dentro das mesmas opiniões a que o diário se propõe. As pessoas que eu conheço que estão do lado da pista, as pessoas que lêem o diario, os colegas do projeto. Somos participantes de uma obra de arte, somos personagens de algo que, além de ter um conceito antropológico, mostra com crueza, questões da sociedade. Não é todo mundo que gosta de saber o lado B das coisas, não é todo o mundo que quer dedicar seu tempo a refletir sobre, muito menos a pensar novas alternativas de convivência entre os humanos. Somos diferentes, e como esses seres que somos, temos que aprender a ocupar o nosso espaço no mundo, determinado por nós mesmos, compartilhado com o resto.

O diário se converte em uma parte minha, em uma parte de vocês, em uma parte de todos. Me sinto mais perto daqueles que poetizam que dos próprios poetas, isso me deixa mais tranquilo.

Há um poema que não está escrito. Um poema que se vive desde a PISTA.